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Múltiplos e reprodução assistida

Riscos de gêmeos na inseminação e na fertilização; como determinar a quantidade de embriões na fertilização; redução embrionária: o que é e quando é necessária. O bom de gêmeos, trigêmeos e supergêmeos nas décadas de 80 e 90 pode certamente ser descrito como um efeito colateral de outro bom: o dos tratamentos de reprodução assistida. Os números do período mostram duas curvas que ascendem juntas: conforme crescem as taxas de sucesso dos tratamentos de infertilidade, crescem também os nascimentos de múltiplos.

O motivo é compreensível: enquanto as novas técnicas se firmavam como uma alternativa viável de reprodução para casais inférteis, era natural que a prioridade de pais e médicos fosse garantir as melhores chances de gravidez possíveis, mesmo quando isso implicasse em risco aumentado de múltiplos.

Esta atitude, que ainda é a regra em muitos casos, vem mudando sensivelmente. Embora a medicina disponha hoje de muito mais recursos para lidar com crianças que nascem prematuramente, como é o caso da imensa maioria dos múltiplos, o aumento das gestações de gêmeos a supergêmeos é hoje considerado preocupante por médicos e governos no mundo inteiro.

Múltiplos: riscos e custos

A preocupação se justifica. Gestações múltiplas são freqüentemente gestações de risco. Mesmo as gemelares, que já eram comuns muito antes da reprodução assistida, oferecem risco aumentado de abortamento natural, morte fetal, parto prematuro, hipertensão materna e hemorragia uterina. Todos esses riscos aumentam na proporção direta do número de bebês que estão no útero. E há outros: nem todas as mulheres têm estrutura física adequada para gestar trigêmeos, e são raras as que têm condições de atravessar uma gestação de quatro ou mais bebês com saúde.

As muitas considerações médicas que cercam as gestações e os nascimentos de múltiplos fazem deles um tremendo custo extra. Nos países onde a saúde é socializada, a alta incidência de gestações múltiplas custa milhões em cuidados neonatais aos governos. Nos demais, a conta é igualmente alta – a diária de uma boa UTI neonatal no Brasil não custa menos que algumas dezenas de milhares de reais. Quem arca com ela são os cidadãos e seus planos de saúde.

Taxas iguais, menos múltiplos:

Antes uma espécie de prova do sucesso da reprodução assistida, a alta incidência de gestações múltiplas é vista hoje na comunidade médica como a grande complicação dos tratamentos de infertilidade. As técnicas de reprodução assistida não foram desenvolvidas para gerar múltiplos, mas para aumentar as chances de gravidez de um casal infértil. Cada vez mais, levar em conta a possibilidade real da gestação múltipla, esclarecer os pacientes sobre seus riscos e fazer o possível para reduzir a incidência de gêmeos e supergêmeos é uma obrigação dos profissionais que aplicam esses tratamentos.

Mais: nos países onde a medicina é socializada, sobretudo europeus, os praticantes da medicina reprodutiva vem sendo pressionados, por meio de leis e regulamentações específicas, a condicionar a busca de boas taxas de gravidez à necessidade de reduzir o rsico de gestações múltiplas.

Os resultados já se fazem notar. Do começo da década de 2000 para cá, os índices de nascimentos de gêmeos, trigêmeos e supergêmeos associados a tratamentos de infertilidade começaram a recuar, embora permaneçam altos. Países como a Suécia têm mostrado que é possível diminuir as gestações múltiplas sem reduzir as taxas de sucesso de tratamentos como a fertilização in vitro.

Se a medicina tem recursos para evitar a recorrência das gestações múltiplas, por que tantas vezes esses recursos deixam de ser utilizados? Por que gerar múltiplos continua sendo a regra nos tratamentos de infertilidade realizados no nosso país? Para responder a essas perguntas, vamos começar pelo começo.

O que é reprodução assistida?

Chamamos de reprodução assistida às técnicas e tratamentos que visam a elevar as chances de gravidez de um casal com problemas de fertilidade. Quando as dificuldades de reprodução envolvem problemas de ovulação na mulher, o que é bastante frequente, os médicos utilizam hormônios para induzir uma produção extra, que resulte em mais de um óvulo por ciclo.

Muitas gestações múltiplas que decorrem de tratamentos de infertilidade se relacionam com este procedimento, que pode levar a mulher a produzir vários óvulos de uma só vez: quando são usados, os tratamentos de estimulação produzem taxas de 20% a 40% de gestações múltiplas. A hiperestimulação ovariana é um recurso utilizado nas diversas formas de tratamento, desde o coito programado e inseminação intrauterina até a fertilização in vitro.

Veja quais são os principais tratamentos disponíveis hoje e qual risco de gestação múltipla cada um oferece:

  • Coito programado

O coito programado é o método mais simples de tratamento de infertilidade. Pode ser indicado para mulheres jovens, com irregularidades na ovulação mas sem obstruções nas trompas, e para homens com contagem de esperamatozóides normal. O tratamento consiste em estimular os ovários da mulher e monitorar o amadurecimento dos óvulos por meio de ultrassonografia transvaginal seriada, a fim de apontar o momento mais propício para um coito com chance de fertilização. Como o ovário é estimulado com drogas para produzir mais óvulos do que normalmente, as chances de ocorrer gestação dizigótica são consideráveis.

  • Inseminação intrauterina

O tratamento começa com a hiperestimulação química dos ovários da mulher com medicamentos indutores de ovulação. Pouco antes da ovulação, um cateter é usado para introduzir uma amostra selecionada do esperma do marido diretamente na cavidade uterina. Combinados, o fato de existirem múltiplos óvulos disponíveis para a fertilização nas trompas da mulher e a facilidade com que os espermatozóides chegam ao útero elevam as chances de gravidez – e fazem deste método um dos mais propícios à produção de gestações múltiplas. Some-se a isso o fato de que é impossível controlar quantos óvulos serão fertilizados.

  • Fertilização in vitro

O mais sofisticado entre os tratamentos de reprodução assistida disponíveis permite fecundar o óvulo fora do corpo da mulher. É indicado em casos de problemas nas trompas ou de fator masculino grave. O processo começa com a estimulação química dos ovários. Os óvulos maduros são colhidos em um procedimento ambulatorial e colocados em contato, no laboratório, com uma amostra preparada do esperma do marido. Fertilizados, os óvulos se transformam em embriões. Os embriões de melhor qualidade são transferidos para o útero da mulher, por meio de um cateter, alguns dias depois. O sucesso do tratamento depende de um ou mais embriões se implantarem no útero, dando início à gravidez.

Eventualmente, um embrião transferido para o útero depois de uma fertilização in vitro pode se dividir em dois. Nesse caso, dará origem a gêmeos monozigóticos, ou idênticos. A maioria das gestações múltiplas geradas por esse tipo de tratamento, porém, não decorre disso, mas de outra circunstância: a transferência e a implantação de mais de um embrião no útero da mãe depois da fertilização. As gestações que começam assim são dizigóticas ou mistas.

Muitos casais optam pela transferência de vários embriões, a fim de aumentar suas chances de sucesso. Ao fazer isso, eles aumentam, na mesma medida, a possibilidade de virem a engravidar de múltiplos. Mais: como é impossível prever o número de embriões que vão de fato se implantar, mesmo que se transfira um número grande de embriões, pode acontecer de a paciente simplesmente não engravidar.

Quantos embriões: a pergunta-chave

Nos processos de fertilização in vitro, quanto mais embriões forem transferidos, maior é a chance de gravidez. O relatório anual que consolida os resultados de todas as práticas de reprodução assistida nos Estados Unidos em 2004 mostra que os ciclos de maior sucesso foram aqueles em que a mãe recebeu no útero dois ou mais embriões. O mesmo documento ressalva: a transferância de mais de um embrião aumenta a chance de múltiplos.

Afinal: quantos embriões devem ser transferidos para o útero em um mesmo ciclo de fertilização in vitro, se a prudência médica recomenda que se transfira o menor número possível, para reduzir as chances de múltiplos, e os números provam que, quanto mais embriões forem transferidos, maiores serão as chances de gravidez? A questão não aflige só a maior parte dos casais que se submetem à fertilização in vitro, mas também médicos e autoridades de saúde no mundo inteiro.

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